Neutro é um Juiz que não existe
Acordei hoje antes das 6h e postei um comentário aqui no blog sobre o julgamento do caso Cesare Battisti. Observei que os ministros do STF estavam mais preocupados com os crimes imputados à Battisti do que mesmo com a legalidade do ato do Ministro de Estado que lhe concedeu o asilo. No final, observei que estava apontada uma tendência para o julgamento da ADPF 153, que trata de uma nova interpretação da Lei de Anistia.
Sei que este blog é lido por um público heterogêneo e não me preocupei com detalhes jurídicos do julgamento, mas fui solicitado mais de uma vez durante o dia para traduzir o que havia ocorrido. De fato, não é fácil entender porque o STF se reúne várias vezes para decidir, por maioria, pela extradição e depois, no apagar das luzes, decide o mesmo Tribunal, novamente por maioria, que o julgamento final, na verdade, cabe ao Presidente da República. Então, um leigo me pergunta: “ora, doutor, por que não decidiram isso logo no começo?” Respondo apenas tecnicamente que é assim que tem que ser feito, ou seja, o juiz tem que decidir inicialmente as questões processuais e preliminares e só então apreciar o mérito da causa. A dúvida se torna ainda maior: “mas por que os ministros do STF não fizeram isso?”
Pois bem, passei o dia cuidando de meus processos de “meta 2” e a cada minuto sentia a orelha ardendo. Agora, no final da noite, navegando na Internet, vejo meu comentário publicado em outros blogs e sites com dezenas de comentários. A maioria, como já esperava, contrária ao meu entendimento. Alguns comentaristas mais afoitos, inclusive, aproveitaram a oportunidade para discordar com certa veemência. Entendi o ardor na orelha...
Ao contrário do que muitos possam imaginar, não fico chateado com isso. Primeiro, tenho consciência de que é absolutamente normal, para o pensamento dominante, um juiz se apresentar como defensor da ordem atual, como “escravo da Lei”, defensor da violência policial, do extermínio de “bandidos”, da pena de morte, da redução da maioridade penal etc. De outro lado, tenho também consciência que não é “normal” para o pensamento dominante um juiz buscar entender as causas da violência, exercer um juízo crítico sobre o Direito e sobre os fatos sociais, defender os defensores dos direitos humanos, defender a efetividade da Constituição Federal, criticar decisões de tribunais, não misturar causas com consequências etc.
Em resumo, para a ordem atual, um juiz deve se comportar de acordo com as regras sociais impostas pela classe dominante e fazer as pessoas acreditarem que somente assim estará agindo com neutralidade e imparcialidade. Quebrar regras e paradigmas, de outro lado, causa espanto e desconforto, pois não é “normal” um juiz se posicionar do lado dos pobres e excluídos.
A Internet nos permite este debate virtual e sei que vou precisar usar muito gelo para abrandar o ardor de minhas orelhas.
Postado por Gerivaldo Neiva às 21:56
12 comentários:
MARCO ANTONIO disse...
Caro doutor Gerivaldo,
Espero não estar constando na lista dos comentaristas mais afoitos. hehehehehehe. Sou um leitor que gosta de passar por aqui e não apenas para ler.
Decerto que, na maior parte das vezes, fico a discordar do seus pontos de vista apresentados neste blog. Mas, não no essencial, em especial no concernente ao fato de o senhor ser um homem de posições, as quais acredito sejam firmes, e deixar transparente seu entendimento sobre questões importantes - como no caso da tortura ou dos direitos das minorias -, nisso concordamos e, não pela primeira vez, aplaudo a sua disposição em abrir espaço de discussão no seu blog.
Alguns podem até estranhar a forma direta e clara como aborda certos temas. De minha parte, fico bastante à vontade para comentar no blog deste Juiz.
Afora quando diante daqueles textos mais voltados para questões puramente jurídicas que, para um leigo como eu, tem a cor da aridez, quando o assunto é de maior amplitude e menos formal, adquire diante de mim uma cor interessante.
De qualquer sorte, prossigamos!
Um abraço.
20 de Novembro de 2009 00:09
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente esta postagem