Origem: 16ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN.
Apelante: Banco Citicard S/A.
Advogado: Geraldo Emídio do Couto Neto.
Apelado: Rômulo Cortez Bezerra.
Advogado: Thiago Cortez Meira de Medeiros.
Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro.
EMENTA: CONSUMIDOR. AÇÃO ORDINÁRIA DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. REVISÃO CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DE JUROS MENSAIS ABUSIVOS. REDUÇÃO PARA 5% (CINCO POR CENTO). POSSIBILIDADE. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA REGIDA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DO INPC COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. MANUTENÇÃO DO DECISUM A QUO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:
Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, conhecer do recurso de Apelação Cível, rejeitando a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, para no mérito negar provimento ao recurso interposto, mantendo in totum a decisão de Primeiro Grau, nos termos do voto do Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível, interposta por Banco Citicard S/A, em desfavor de Rômulo Cortez Bezerra, face à sentença proferida pela MM. Juíza da 16ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN na Ação Ordinária de Repetição de Indébito com Pedido de Tutela Antecipada, onde foi julgado procedente o pleito inicial, para revisar os contratos avençados entre as partes, limitando os juros em 5% (cinco por cento) ao mês, e estabelecendo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC como índice da correção monetária, condenando o Demandado na repetição do indébito, devendo o saldo devedor ser apurado na fase executória, além de conceder o pedido de tutela antecipada para determinar a exclusão do nome do Demandante dos cadastros de proteção ao crédito.
Em sede de inicial, aduz o Demandante que é cliente do Demandado há vários anos, sendo usuário de cartão de crédito, cujos serviços são gerenciados por essa administradora, informando que firmou compromisso contratual através do sistema de adesão, alegando ser este eivado de vícios e cláusulas leoninas.
Afirmou que os juros mensais cobrados são na base de 12% (doze por cento), e que a prática abusiva levou o Demandante a adimplir apenas com o pagamento mínimo de algumas prestações mensais.
Pugnou para que seja declarada judicialmente a quitação de sua dívida, bem como ser restituído em dobro pelos valores pagos indevidamente, alegando ter um saldo credor no valor de R$1.434,77 (um mil, quatrocentos e trinta e quatro reais e setenta e sete centavos), pugnando pela aplicação do INPC como índice legal para a correção monetária.
Requereu a concessão de tutela antecipada, para que o Demandado exclua seu nome dos cadastros de restrição ao crédito.
Por fim, requereu que fosse julgado procedente o seu pleito, para declarar a quitação do débito, aplicando por conseguinte o INPC como índice de correção monetária.
Juntou documentos às fls. 18/85.
O Demandado por sua vez, apresentou contestação às fls. 89/111, juntado documentos às fls. 112/129, argüindo em fase preliminar a ilegitimidade passiva "ad causam", alegando no mérito que a taxa de juros cobrada é legal, e que não há limitação dos juros a 12% (doze por cento) ao ano, na fórmula da súmula 648 do Supremo Tribunal Federal.
Afirma que o Código Civil de 2002 não trouxe em seu bojo qualquer modificação quanto as taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro, não estando os contratos adstritos à taxa SELIC, devendo estes serem cobrados na medida ajustada entre as partes.
Enfatizou a observância ao princípio da autonomia da vontade, destacando que não há que se falar em repetição de indébito, face a legalidade dos encargos cobrados, nem mesmo em abusividade do contrato, clamando pela improcedência da demanda com a condenação do Demandante em honorários sucumbenciais.
Apresentou o Demandante manifestação às fls. 131/136, rechaçando o quanto aduzido na peça contestatória.
Na audiência preliminar, foi acolhida a preliminar de ilegitimidade ventilada pelo Demandado, e consequentemente extinto o processo.
Em recurso apelatório interposto pelo Demandante, foi a sentença prolatada reformada parcialmente, no sentido de determinar a remessa dos autos para o Juízo a quo, dando-se prosseguimento ao feito.
Sentença prolatada às fls. 188/193.
Apelação Cível interposta pelo Banco Demandado, ora Apelante, às fls. 197/231, onde aduz preliminarmente ilegitimidade passiva ad causam, sob a alegação de que a Caixa Econômica Federal assumiu a administração dos seus cartões de crédito, ativos ou cancelados, devendo responder por estes.
Discorreu acerca da não incidência do Decreto Lei nº 22.626/33 nos contratos de cartões de crédito, da equiparação das administradoras de cartões de crédito às instituições financeiras, e ainda sobre a revogação do Decreto Lei nº 22.626/33 pelo Código Civil de 2002, alegando também ser equivocada a limitação de juros imposta.
Alegou que consta no contrato permissão para a cobrança dos encargos contratuais e que estes são informados aos clientes em suas faturas mensais, e que as taxas cobradas devem se manter inalteradas bem como os encargos aplicados, o que afastaria a utilização do INPC como índice de correção monetária.
O Apelado apresentou contra-razões às fls. 234/237 e alegou, em síntese, que a preliminar suscitada deve ser rejeitada, e que a decisão impugnada deve ser mantida em todos os seus termos.
Enviados os autos à 10ª Procuradoria de Justiça, esta deixou de opinar em matéria que prescinde de sua intervenção.
É o relatório.
VOTO
Presentes os requisitos necessários à admissibilidade, conheço da Apelação Cível.
DA PRELIMINAR DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Preliminarmente, alega o Apelante, ilegitimidade passiva ad causam, para integrar a lide, afirmando que Caixa Econômica Federal é quem deve responder pelos contratos firmados, vez que esta assumiu a gerência dos mesmos.
Entretanto, a controvertida preliminar reveste-se de caráter meramente protelatório, vez que a mesma já foi magistralmente apreciada no Acórdão proferido pelo Ilustre Desembargador Manoel dos Santos, o qual faço minhas as suas palavras, in verbis:
"Vejamos o que diz a sobredita Cláusula nº 15.3.1, do Convênio de Associação ao Sistema Credicard de Cartões de Crédito, colacionado às fls.124/132:
“A partir de 1º de outubro de 2002, a COMPANHIA assume a responsabilidade pelas ações judiciais ou qualquer outra reclamação cujo fato gerador tenha, comprovadamente, ocorrido até 30 de setembro de 2002, inclusive, sendo certo que com relação aos fatos geradores posteriores a essa data, também comprovadamente, a responsabilidade é inteiramente assumida pelo BANCO, ficando desde já autorizada e reconhecida pelas PARTES a argüição de falta de legitimidade ad causam.”.
Analisando os demonstrativos de cálculos anexados às fls.23/29, o autor traz para discussão fatos geradores que vão do período compreendido entre 18 de maio de 1998 a 13 de fevereiro de 2003.
Portanto, não paira nenhuma dúvida sobre a responsabilidade e, por corolário lógico, a legitimidade da CREDICARD para responder sobre os fatos geradores de 18 de maio de 1998 a 30 de setembro de 2002.
A responsabilidade e a legitimidade dos fatos geradores que vão do período de 1º de outubro de 2002 a 13 de fevereiro de 2003 é da Caixa Econômica Federal, devendo, para tanto, o apelante ingressar com ação própria, querendo, na Justiça Federal.
Isto posto, conheço da apelação cível e dou-lhe parcial provimento para, reformando-se a decisão de 1º Grau, declarar a legitimidade passiva da CREDICARD S/A – ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO para responder pelos fatos geradores ocorridos no período compreendido entre 18 de maio de 1998 a 30 de setembro de 2002, determinando o retorno dos autos ao Juízo de Origem para que seja dado prosseguimento ao presente feito, como entender de direito."
Assim, da simples leitura do referido Acórdão, faz cair por terra toda argumentação do Apelante tecida no recurso apelatório.
Diante do exposto, rejeito a preliminar suscitada.
MÉRITO
Examinando a apelação interposta entendo que a mesma não merece provimento, devendo ser mantida in totum a sentença ora hostilizada, face à sua sólida fundamentação.
Em seu recurso o Apelante discorre acerca da impossibilidade da limitação de juros em 12% ao ano com base na lei de usura.
Entretanto no caso dos autos e da sentença guerreada, não se discute tal limitação anual, vez que trata-se de juros mensais, aplicados de forma estratosférica, beirando inimagináveis 12% (doze por cento) ao mês.
Ora, não havendo uma redução dos juros supramencionados estaria o judiciário omitindo-se perante a ganância desmedida das instituições financeiras.
Outrossim é inegável que a relação entre as partes ora demandantes deve ser regida sob a égide do Diploma Consumerista, destarte entedimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in litteris:
"Cartão de crédito. Código de Defesa do Consumidor. Decreto nº 22.626/33.
1. A empresa administradora de cartão de crédito, na linha da jurisprudência firmada na Segunda Seção (REsp nº 450.453/RS, Relator para acórdão o Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 25/2/04), é instituição financeira.
2. A relação entre a administradora de cartões de crédito e o usuário está subordinada ao Código de Defesa do Consumidor.
3. É vedada a capitalização mensal dos juros, ainda que prevista, nos contratos de cartão de crédito.
4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 416.254/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.04.2005, DJ 13.06.2005 p. 288) (DESTAQUEI)
Ainda sobre o tema tão debatido, o próprio STJ, diversas vezes citado no recurso apelatório entende não ser possível a limitação da taxa de juros em 12% ao ano, entretanto faz uma ressalva quando for demonstrada a existência de uma real abusividade na cobrança dos mesmos por parte da instituição financeira, vejamos:
"Agravo regimental. Recurso especial. Contrato de uso de cartão de crédito. Taxa de juros remuneratórios. Abusividade. Não-comprovação. Comissão de permanência. Legalidade.
1. Conforme jurisprudência firmada na Segunda Seção, não se pode dizer abusiva a taxa de juros só com base na estabilidade econômica do país, desconsiderando todos os demais aspectos que compõem o sistema financeiro e os diversos componentes do custo final do dinheiro emprestado, tais como o custo de captação, a taxa de risco, os custos administrativos (pessoal, estabelecimento, material de consumo, etc.) e tributários e, finalmente, o lucro do banco. Com efeito, a limitação da taxa de juros em face da suposta abusividade somente teria razão diante de uma demonstração cabal da excessividade do lucro da intermediação financeira, o que, no caso concreto, não é possível de ser apurado nesta instância especial, a teor da Súmula nº 7/STJ.
2. Segundo orientação firmada pela Segunda Seção, a comissão de permanência não é ilegal, podendo ser cobrada no período de inadimplência, desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula nº 30/STJ), nem com os juros remuneratórios, calculada à taxa de mercado do dia do pagamento, limitada, entretanto, à taxa pactuada no contrato.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 645.947/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28.09.2004, DJ 01.02.2005 p. 556) (DESTAQUEI)
Por conseguinte, entendo ter agido com responsabilidade e coerência o Magistrado a quo, ao fixar a taxa de juros mensais em 5% (cinco por cento), vez que a cobrança de juros mensais no patamar extremamente elevado de quase 12% (doze por cento) ao mês, configura um quadro de abusividade o qual não poderia se perpetuar.
Noutro giro, verifico que a sentença estabeleceu a incidência do INPC como índice para atualização monetária.
Tal entendimento finca-se na abusividade quando da utilização de índice que não reflita a real perda do poder aquisitivo da moeda, ultrapassando, desta forma, o seu fim, ou seja, o de corrigir o valor e não o de remunerar.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, é o índice que melhor reflete a realidade econômica do País para ajustar a desvalorização da moeda.
Desse modo, e concordando com quanto fundamentado na sentença atacada, mantém-se, enfim, o INPC como índice de correção monetária.
Quanto a repetição do indébito, o posicionamento dominante é o de que o consumidor cobrado por uma quantia indevida, seja no total ou em eventual excesso, tem direito à devolução do que pagou, conforme determina o Art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
"Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Aquele que recebeu o que não devia, deve fazer a restituição, sob pena de enriquecimento indevido.
Deve-se ressaltar que a inexistência de cobrança a maior, na medida em que é matéria de defesa, compete ao Apelante. O Apelado, ao exigir o que pagou a mais, prova apenas que seu pagamento foi indevido.
Estando devidamente comprovada a cobrança a maior, correta é a devolução em dobro.
Pelo exposto, conheço da Apelação Cível interposta, rejeitando a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, para no mérito negar provimento ao recurso de Apelação Cível, ficando mantida a sentença de Primeiro Grau in totum.
É como voto.
Natal,19 de junho de 2008.
Desembargador VIVALDO PINHEIRO
Presidente/Relator
Doutor PAULO ROBERTO DANTAS DE SOUZA LEÃO
13º Procurador de Justiça
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