quarta-feira, 22 de outubro de 2025

homens e lobos na escuridão

Durante o inverno brutal de 1917, quando a Primeira Guerra Mundial já havia transformado a Europa em um cemitério de lama, sangue e fumaça, um inimigo diferente surgiu entre as trincheiras do leste. Na vastidão congelada entre a Lituânia, a Bielorrússia e as fronteiras esquecidas da Rússia, onde alemães e russos se enfrentavam sem piedade, os uivos começaram a ecoar. Primeiro, distantes. Depois, mais próximos. E logo, mais temidos que qualquer bombardeio.

A guerra havia destruído vilas inteiras, queimado florestas e dizimado os rebanhos. Não restava alimento — nem para homens, nem para feras. Famintos, os lobos desceram em matilhas imensas das florestas e pântanos, atraídos pelo cheiro da morte que pairava sobre o front. Vinham à noite, em silêncio, e atacavam tudo o que se movia: soldados isolados, cavalos, carregamentos de suprimentos. Nem russos nem alemães conseguiam contê-los. Os tiros que antes eram trocados entre inimigos agora eram disparados ao vento gelado, tentando afugentar sombras de presas desesperadas.

Em meio à insanidade da guerra, algo impensável aconteceu. Por um instante, os homens lembraram-se de que havia um mal maior do que suas bandeiras. Em meio às trincheiras congeladas e cadáveres cobertos de neve, mensageiros cruzaram as linhas inimigas. Houve uma trégua — não para a paz entre nações, mas para a sobrevivência de todos. Soldados russos e alemães, antes inimigos mortais, agora se uniam sob o mesmo frio, empunhando suas carabinas lado a lado contra as criaturas famintas que vinham do escuro.

Foram dias e noites de caçadas e tiroteios nas florestas cobertas de gelo. À luz das fogueiras, soldados que horas antes se matavam dividiam cigarros e histórias em línguas que o outro mal compreendia, mas o silêncio e o olhar cansado bastavam para comunicar o essencial: eram apenas homens tentando não morrer. Quando enfim o último uivo se perdeu nas montanhas geladas, quando os lobos foram abatidos ou dispersos, a trégua terminou. Sem discursos, sem despedidas. Cada exército voltou às suas trincheiras, recarregou as armas e retomou a guerra como se nada tivesse acontecido.

Mas entre as nevascas daquele inverno, alguns jamais esqueceram. Porque, por um breve instante, alemães e russos lutaram não por impérios, mas pela própria existência — e contra o instinto selvagem que, talvez, também vivia dentro deles.

Não há registro oficial dos mortos ou dos lobos caçados, mas é apenas dito "centenas de homens e cavalos mortos" e "milhares de lobos caçados".