domingo, 11 de novembro de 2007

PEDRO PORFIRIO ESCREVE

QUE BOM QUE SOMOS TANTOS OS INDIGNADOS

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 12 DE NOVEMBRO DE 2007


http://www.tribunadaimprensa.com.br/porfirio.asp

"Nada poderia prejudicar um homem a não ser ele próprio. Nada poderia lesá-lo. O que um homem realmente tem é o que está nele. O que está fora dele deveria ser coisa sem importância".

Oscar Wide, escritor irlandês (1854-1900)

Com aviso prévio por conta da queda de sua audiência, Howard Beale, um veterano âncora de um programa de TV dos EUA, anuncia no ar o seu suicídio. Com o impacto da notícia, volta a despertar o interesse dos telespectadores e, apoiado por uma ambiciosa produtora, passa a exibir desabafos cada vez mais pungentes até o dia em que leva nos norte-americanos a uma manifestação de indignação coletiva.

Essa é a essência do filme "Rede de Intrigas" (Network), o mais premiado dos Estados Unidos em 1976, um ano depois do fim da funesta guerra do Vietnã, em que 54 mil soldados norte-americanos morreram, milhares voltaram mutilados e outros tantos, viciados em drogas. Isso sem falar na "culpa" pelas mortes de 2 milhões de vietnamitas.

O filme não tinha nada a ver com o desastre que levou milhões de jovens e pacifistas a todo tipo de protesto, incluindo a queima de documentos de reservistas e o aparecimento do movimento "hippie" e uma geração desencantada.

Mas preenchia o grande vazio que a perplexidade operou sobre o existencial dos norte-americanos. Decididamente, 1976 chegou como o ano da verdade, da desmistificação dos mitos de guerra colonial, afetando na veia o próprio "american way of life". O filme de explosões catárticas veio a calhar, sob medida.

O seqüestro do raciocínio

Essa lembrança me veio a partir da repercussão da minha última coluna sobre o seqüestro do raciocínio e o apagão da inteligência, armazenada em www.palanquelivre.com. Jamais esperei receber comentários tão profundos e, para ser honesto, tão compensadores.

Há muito venho observando preocupado o comportamento da sociedade humana e, por estar no centro de um furacão, me pergunto se terei forças e paciência para assimilar o que minha percepção acusa.

Sou hoje um homem de 64 anos, que percorreu uma longa e tortuosa caminhada, desde as calças curtas. Sou pai, avô e, o que me toca mais agudamente, sou pai-avô de dois adolescentes para os quais não tenho certeza de que haverá porto seguro no amanhã turvado.

Pode até ser que me influencie uma certa paranóia da idade, mas a crônica tétrica do nosso cotidiano e a leviandade com que os senhores do mundo agem parecem mais salientes na tortura do meu cérebro nervoso.

Uma médica da Bahia escreveu textualmente: "Recebi este texto de um caro amigo aqui da minha terra ( Salvador- Bahia) e gostei tanto que fui pesquisar como poderia agradecer, brindar, celebrar Pedro Porfírio por este texto. Digo especificamente este texto porque traduz exatamente aquilo que penso, ao ponto de crer que ele seqüestrou o meu raciocínio e o pôs em palavras!"

Como ela, um bom número de leitores, alguns me escrevendo pela primeira vez, demonstraram com todas as letras que participam do mesmo sentimento que me levou àquelas linhas. Esse sentimento tem um nome: INDIGNAÇÃO.

Em nenhum momento, pretendi mais do que externar o que vinha ao mesmo tempo do meu cérebro e do meu coração. Mas a constatação de que uma perigosa anemia mental alastra-se como uma epidemia que desfigura e amesquinha as personalidades teve o efeito de um choque, ao ponto de receber a seguinte mensagem: "Nunca nos tempos atuais li um texto tão correto, tão verdadeiro e por isso mesmo, infelizmente, tão triste".