terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

ELES QUEREM MALTRATAR O CONSUMIDOR

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2009.001892-5 - NATAL/RN
Agravante: GILBERTO TRINDADE DA COSTA
Advogado: Zilma Bezerra Gomes de Souza
Agravado: RS CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A
Relatora: Desembargadora CÉLIA SMITH



EMENTA: CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA RELATIVIZADO QUANTO À INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS AUTORIZADA PELO ARTIGO 28, § 1º, INCISO I, DA LEI FEDERAL Nº 10.931/04, DESDE QUE CONSTE DE FORMA CLARA E EXPRESSA NO CONTRATO, CLÁUSULA QUE PERMITA AO CONSUMIDOR O PLENO CONHECIMENTO DA AMPLITUDE DOS ENCARGOS A QUE SE COMPROMETEU. INOCORRÊNCIA NO CASO EM APREÇO. AFASTAMENTO DA INSCRIÇÃO DO NOME DO CONSUMIDOR EM CADASTROS DOS ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DA PRETENSÃO RECURSAL.




ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto da relatora que integra este acórdão.

RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido liminar, interposto por Gilberto Trindade da Costa em face da decisão interlocutória proferida pelo Juiz de Direito da Décima Quinta Vara Cível da Comarca de Natal/RN, que nos autos da Ação de Revisão de Cláusulas Contratuais nº 001.08.038441-3, promovida em desfavor da RS CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, indeferiu pedido de tutela antecipada para consignar em Juízo valor inferior ao ajustado em empréstimo.
Em suas razões, o agravante afirma, em síntese, que busca a revisão do contrato de empréstimo firmado com o agravado, por entender que nele há estipulação de anatocismo, prática vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Sustenta que a decisão vergastada não deve ser mantida, haja vista contrariar as normas do Código de Defesa do Consumidor, incidentes na espécie. Outrossim, colaciona jurisprudência e doutrina no sentido da sua pretensão.
Por tais motivos, pugna pela antecipação da tutela recursal indeferida na primeira instância, para depositar os valores que entende devidos, a suspensão do desconto em folha de pagamento da parcela do financiamento, e que seu nome não seja lançado nos órgãos restritivos de crédito. No mérito, requer o provimento do recurso.
Junta os documentos às fls. 14/46.
Deferido o pedido liminar às fls. 49/55.
Devidamente intimada, a parte agravada deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar contrarrazões ao recurso, conforme certidão de fl. 61.
Com vista dos autos, a Décima Primeira Procuradoria de Justiça deixou de intervir no feito, por ausência de interesse público primário (fls. 62/63).
É o relatório. Decido.

VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
No caso em debate, ao apreciar as razões do presente agravo e deferir o pedido de liminar, assim se manifestou esta relatoria na decisão monocrática acostada às fls. 49/55 dos autos:
"(...).
No caso em análise, verifica-se que o juízo a quo indeferiu o pedido de tutela antecipada para consignar em juízo valor inferior ao ajustado em empréstimo, fundamentando a sua decisão na possibilidade de capitalização dos juros, quando tiverem sido expressamente pactuados no contrato de financiamento.
Contudo, cumpre esclarecer, que a prática do anatocismo, no âmbito desta Corte de Justiça, é vedada mesmo havendo pactuação a respeito, conforme a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a sessão plenária ocorrida no dia 08 de outubro de 2008, declarou inconstitucional o artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/01, que autorizava a capitalização de juros pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, decisão esta com força vinculante a todas as demandas envolvendo o tema por ela tratado, segundo o disposto no artigo 243, do novel Regimento Interno deste Tribunal:

"EMENTA: DIREITO BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. CONTRATO POSTERIOR À MP 1.963-17/2000, DE 31 DE MARÇO DE 2000 (ATUALMENTE REEDITADA SOB O Nº 2.170-36/2001). INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA REFERIDA MEDIDA PROVISÓRIA DECLARADA, INCIDENTER TANTUM, PELO PLENO DESTE TRIBUNAL NA ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.004025-9. APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA PELAS CÂMARAS, A TEOR DO ART. 243 DO NOVO REGIMENTO INTERNO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LEGALIDADE DA COBRANÇA, DESDE QUE NÃO CUMULADA COM OS ENCARGOS MORATÓRIOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO, ANTE A INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE COBRANÇA. PRECEDENTES DO STJ. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO." (Apelação Cível nº 2008.007386-3, 2ª Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Nilson Cavalcanti, j. em 14.10.2008).

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO. RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRÁTICA DE ANATOCISMO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS CARACTERIZADA. VEDAÇÃO DE TAL PRÁTICA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 121 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2170-36/2001.(...) PRECEDENTES DO STJ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO INTERPOSTO." (AC 2008.004458-7, 1ª C. Cível, Rel. Dr. Virgílio Fernandes, j. 12/08/2008)
No feito em tela, verifica-se que há forte indícios da prática de anatocismo pelo agravado, uma vez que da simples leitura do contrato, à fl. 39, se extrai que sobre o valor total do crédito concedido incidirão juros capitalizados na taxa constante no preâmbulo.
Quanto ao periculum in mora necessário para a concessão do pleito, igualmente vislumbro a sua presença, visto que o cálculo de juros sobre juros no contrato de financiamento ocasiona prejuízos de ordem material ao agravante, haja vista tratar-se de verba de natureza alimentar.
Com relação ao pedido de abstenção da inscrição do nome do agravante nos cadastros de proteção ao crédito, entendo ser devido, porquanto, atendidos os pressupostos necessários para seu deferimento, a saber: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado.
Diante do exposto, defiro a antecipação da tutela recursal pretendida, nos termos dos artigos 527, inciso III e 558, do Código de Processo Civil, para autorizar o depósito incidental do valor incontroverso, qual seja: R$ 260,30 (duzentos e sessenta reais e trinta centavos); oficiar a fonte pagadora para adequar o desconto em folha ao novo quantum, bem como a abstenção da inscrição do nome do agravante nos órgãos de proteção ao crédito.
(...)". (destaque no original).

No que se refere ao anatocismo, não há dúvida de que o instrumento contratual acostado às fls. 39 e verso demonstra a sua prática pela instituição financeira agravada, quando prevê em sua cláusula 02 (dois) que "Os juros serão calculados, sempre e invariavelmente, de forma mensalmente capitalizada, com permitido em lei".
A questão, porém, é saber se os juros capitalizados podem ser aplicados no caso em debate.
O artigo 4° do Decreto Federal n° 22.626, que revogou a parte final do artigo 1.262 do Código Civil de 1916, e continua em vigor em face da inexistência de disposição em sentido diverso no novo Código Civil, proíbe expressamente a capitalização de juros, admitindo apenas a acumulação dos vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano.
Nesse sentido, aliás, as Súmulas n° 121 do Supremo Tribunal Federal - "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada" - e n° 93 do Superior Tribunal de Justiça, que permite a capitalização em prazo inferior apenas nos contratos de concessão de crédito rural, comercial e industrial.
As exceções a esse regramento estão contidas em leis especiais, dizendo respeito aos depósitos em caderneta de poupança, à cédula de crédito bancário e aos negócios de crédito rural, comercial e industrial.
No caso concreto, apesar de o financiamento ter sido celebrado através de Cédula de Crédito Bancário, hipótese em que é admitida a capitalização mensal, nos termos da Lei Federal nº 10.931/2004, entendo que os juros capitalizados não podem ser aplicados na espécie, em razão de uma peculiaridade.
O contrato firmado entre as partes, não obstante prever a capitalização dos juros de forma expressa, ocultou a instituição financeira agravada no item B.4 (Encargos Pré-fixados) do instrumento contratual, o valor da taxa efetiva anual a ser aplicada sobre o principal mutuado, conforme se pode perceber à fl. 39 dos autos.
Para que se admita, portanto, a referida capitalização, qualquer que seja a periodicidade, necessária a existência de pactuação expressa no contrato, sob pena de afronta aos princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, quanto à clareza e a ostensividade necessárias a permitirem a imediata compreensão do conteúdo e do alcance das obrigações assumidas. Nesse sentido:

"EMENTA: CONSUMIDOR. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA RELATIVIZADO QUANTO À INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS. JUROS REMUNERATÓRIOS PACTUADOS EM PERCENTUAL DENTRO DA MÉDIA DO MERCADO FINANCEIRO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. INAPLICABILIDADE DA TAXA SELIC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS AUTORIZADA PELO ARTIGO 28, § 1º, INCISO I, DA LEI FEDERAL Nº 10.931/04, DESDE QUE CONSTE DE FORMA CLARA E EXPRESSA NO CONTRATO, CLÁUSULA QUE PERMITA AO CONSUMIDOR O PLENO CONHECIMENTO DA AMPLITUDE DOS ENCARGOS A QUE SE COMPROMETEU. INOCORRÊNCIA NO CASO EM APREÇO. POSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO DO NOME DO CONSUMIDOR EM CADASTROS DOS ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO APÓS SE OPORTUNIZAR AO MESMO O PAGAMENTO DO DÉBITO A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO parcial DO APELO INTERPOSTO PELO AUTOR. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA PELA INSTITUIÇÃO DEMANDADA. (TJRN, Apelação Cível nº 2008.007534-8, Relª. Juíza FRANCIMAR DIAS (convocada), TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, julgado em 21/07/2009, DJe 24/07/2009) (destaque nosso)

"AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO. Na ausência de pactuação específica, há defeito de informação capaz de afastar a sua incidência em qualquer periodicidade (art. 6º, III, do CDC). EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. UNÃNIME". (TJRS, Embargos Infringentes nº 70028941631, Sétimo Grupo de Câmaras Cíveis, Relator Dorval Bráulio Marques, julgado em 03/04/2009, DJ 17/04/2009) (destaque nosso)

Assim, muito embora a previsão do artigo 28, § 1º, inciso I, da Lei Federal nº 10.931/04, permita a livre pactuação quanto à capitalização dos juros, necessário conste de forma clara e expressa no contrato, cláusula que permita ao consumidor o pleno conhecimento da amplitude dos encargos a que se comprometeu, o que não ocorreu no caso dos autos.
Consequentemente, tendo o devedor efetuado os pagamentos pela forma e valores que entende devidos, uma vez que não há prova contrário do alegado, resta vedada a possibilidade de o credor inscrevê-lo em órgãos de controle creditício, ao menos neste momento inicial do debate entre as partes travado.
Ante o exposto, ratificando a liminar anteriormente concedida, dou provimento à pretensão recursal.
É como voto.
Natal, 13 de agosto de 2009.




DESEMBARGADOR AMAURY MOURA SOBRINHO
Presidente



DESEMBARGADORA CÉLIA SMITH
Relatora



Dra. MARIA SÔNIA GURGEL DA SILVA
8ª Procuradora de Justiça

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