sábado, 23 de maio de 2009

UM CRIME INSIDIOSO CONTRA O POVO

O PROMOTOR DE JUSTIÇA CÂNDIDO MAIA EXPÕE A FRATURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO.


Crime de Usura: Juros excessivos em desrespeito aos Direitos Humanos

Cândido Furtado Maia Neto*

Usura significa juros excessivos, cobrança exorbitante de dinheiro nos
empréstimo financeiros caracterizando crime no direito penal brasileiro. Seu
autor (agente ativo do ilícito) é denominado de agiota, não só o particular
na forma da lei que define crimes contra o sistema financeiro nacional ( SFN
- lei n. 7.492/86), conhecida como “lei dos crimes do colarinho branco”,
sendo delinqüente todo aquele que especula indevidamente, que ultrapassa o
máximo da taxa legal-constitucional. A usura também é conhecida como
“vantagens leoninas”.

O Governo federal via Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) ou
o COPON (Comitê de Política Econômica Nacional), por seu presidente,
diretores e membros, vem ao longo do tempo praticando agiotagem, autorizando
altas taxas de juros que configuram prática criminosa acobertada por
resoluções, portarias e circulares flagrantemente inconstitucionais, via Lei
n. 4.595/64, do período anti-democrático e de ditadura militar. Tenta-se,
hoje legalizar o grave e hediondo ilícito, praticado em co-autoria
(“concursus delicitorum” e “in persona”) envolvendo todos os Bancos
estaduais e privados, recepcionando e dando-se valor a lei inferior,
totalmente em desacordo com a previsão do Texto Maior vigente.

Estabelece claramente a Constituição federal que as taxas de juros reais,
nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou
indiretamente referidas à concessão de crédito, não podem ser superior a 12%
ao ano, e a cobrança acima deste limite é usura, portanto crime (art. 192,
parág. 3.º CF).

A Carta Magna anterior, no art. 154, também proibia a usura, sendo ela
repudiada desde as Ordenanças do Reino Unido de Portugal quando vigoravam na
época do Brasil colônia.

Por sua vez, a lei dos Crimes Contra a Economia Popular (n.º 1.521/51) e o
Código de Defesa do Consumidor (lei n.º 8.078/90), autorizam a modificação
das cláusulas contratuais de empréstimos financeiros que estabelecem
prestações desproporcionais e excessivamente onerosas, sendo ainda, proibida
cobrança de dívida que exponha a ridículo o inadimplente, assegurando,
também que o pagamento indevido deve ser ressarcido em dobro. Podemos dizer
que a própria avareza é por si ridícula.

Art. 4º “Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim
se considerando:

a) cobrar juros, ... superior à taxa permitida por lei” (Lei n. 1.521/51).

O teto legal para definir o percentual da taxa de juros é o previsto na
Carta Magna e não em lei inferior, resolução, portaria, etc.

Compete ao CMN limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, sem
ofender a “lex fundamentalis”, indo além, a maior ou a mais daquele
percentual expresso constitucionalmente.

Para a correta aplicação e interpretação da lei o Supremo Tribunal Federal
deve seguir o legislador constituinte e não os agentes do Conselho Monetário
Nacional, a fim de rever o Enunciado contido na Súmula 596 STF. Tribunais
pátrios tem entendido desta forma.

A estipulação de juros ou lucros aberrantes, em qualquer tipo de contrato,
como de financiamento para casa própria, compra de veículos, crédito
pessoal, etc., apresentam taxas ao ano que ultrapassam a correspondente
autorizada pela “lex fundamentalis”, sendo portanto nulas; devendo o juiz
ajustá-los à medida legal-constitucional e ordenar a restituição da quantia
paga em excesso, como determina o código civil brasileiro em vigor.

Qualquer contrato de empréstimo financeiro poderá ser liquidado com
antecipação, descontado e reduzido os juros proporcionais e todos os
acréscimos. Aquele que recebe o que não lhe é devido fica obrigado a
restituir (art. 964 do código civil). Também o código comercial pátrio
proíbe a cobrança de juros sobre juros (art. 253).

E a lei n.º 7.492/86 dos crimes contra o sistema financeiro impõe pena de
até 4 anos de reclusão para quem exige juros e comissões sobre operação de
crédito, em desacordo com a legislação (leia-se em desacordo com a
Constituição).

O artigo 8º (Lei 7.492/86) dispõem: “Exigir, em desacordo com a legislação,
juros...”. Ao interpretar-se esta norma é de se ressaltar que a expressão
“em desacordo com a legislação (leia-se “em desacordo com a Constituição”);
de outro lado, o sistema financeiro não exige, ele é mais drástico e cruel,
ele impõem e obriga a aceitação da taxa de juros apresentada no mercado.

A prática de crime contra o sistema financeiro nacional é uma atividade dos
delinqüente do “colarinho branco”, conceito definido por Edwin Sutherland
(“white color crime”), desde 1949 ante a Sociedade Americana de
Criminologia, incluía no conceito os criminosos de privilegiada posição
econômica que desfrutam do tráfico ilícito de influências políticas, e
sempre impunes, apesar dos preceitos legais. Comparativamente é de se dizer
que os responsáveis pelos juros aberrantes, cobrados acima do limite
permitido, encontram-se impunes e longe de sofrer qualquer sanção,
verdadeiros criminosos do colarinho branco.

O Banco Central e qualquer instituição financeira não podem determinar ou
cobrar estes altos juros, mesmo alegando ser medida de política econômica
para conter a inflação e fazer valorizar o real ante o dólar americano.

Para regular a oferta de moeda e a taxa de juros no mercado, existe somente
uma previsão legal, fixada na Constituição, ou seja, deve o Banco Central
comprar ou vender títulos do Tesouro Nacional (art. 164, parág. 2.º CF).

O código civil de 1916, Decreto n.º 22.626/33, na parte que disciplinam
sobre os juros, é da época que vigoravam as Constituições de 1891 e de 1934,
respectivamente; naquele período histórico o código civil estipulava 6% ao
ano, possibilitando a cobrança em 12% como limite máximo, sem exceção. Hoje
o código civil Lei n.º 10.406 /2002, em vigor desde janeiro de 2003,
estabelecendo que os juros não podem se abusivos.

Hoje a disposição sobre os juros encontra-se prevista diretamente na
Constituição federal de 1988, recepcionando aquele limite máximo de 12% para
cobrança de juros.

Não é possível a justificativa de cobrança a mais de 12% de juros ao ano,
sob nenhum pretexto político ou pela falta de lei regulamentar, posto que o
dispositivo constitucional, se refere a uma norma auto-aplicável, isto é,
que dispensa qualquer regulamentação, é um artigo integral, completo,
fechado e/ou taxativo que não permite interpretações de tipo extensiva,
devendo ser aplicado restrita e imediatamente.

Em observância ao princípio da lei no tempo, da soberania e da hierarquia
vertical das normas, qualquer mudança no percentual previsto na
Constituição, seja por meio de resolução, portaria do Banco Central, decisão
do CMN ou do COPON, ou até mesmo através de lei inferior (código civil), é
proibida; somente uma emenda à Carta Magna poderá alterar o percentual dos
juros pré-estabelecidos pela Assembléia Nacional Constituinte. E se isto,
vier a ocorrer, todos as cobranças de juros excessivos, até a presente data
devem ser restituídos aos cidadãos lesados.

O STF através de sua Súmula n.º 121, anterior a Constituição de 1988, “veda
o anatocismo, ou seja a capitalização de juros (conversão do juros em
capital, ou tirar proveito dos juros) ainda que expressamente convencionada.
Proibindo os denominados “juros compostos”, juros de juros ou juros sobre
juros, é a própria capitalização das instituições financeiras a seu favor e
contra os tomadores de empréstimo, trata-se de capitalização versus
descapitalização.

Por sua vez a Súmula n.º 596 do Pretório Excelso, também é anterior a
vigência da Carta Magna, definindo que “as disposições do dec. 22.626/33 não
se aplicam as taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema
financeiro”. Não é mais necessária a aplicação do referido decreto,
considerando que o artigo 192, paráf. 3.º da Carta Magna é completo,
dispensando, tecnicamente a necessidade de regulamentação. Regulamenta-se
para completar, e na hipótese de ser o dispositivo completo, passa ser
inócua qualquer tentativa de adicionar mais regras no texto maior.

É de se destacar que as Súmulas do Pretório Excelso (STF) são fontes do
direito, e não lei, portanto está hierarquicamente abaixo do valor da
Constituição. Ao Supremo Tribunal Federal não lhe é autorizado, através de
suas decisões, contrariar, ampliar ou modificar o Texto Maior, vez que se
trata de Corte máxima incumbida da guarda e controle da constitucionalidade
(art. 102 “caput” CF) no país.

Ademais, a jurisprudência atual por seus julgados mais recentes, vem pecando
no sentido de não observar o princípio da hierarquia vertical das normas e a
lei no tempo; posto que em data anterior a vigência da Constituição de 1988,
vigorava a Lei n. 4.380/64 que previa taxa de juros contratuais de 10% ao
ano, sendo recepcionada pela Carta Magna. É inaplicável e completamente
inconstitucional julgados que autorizem cobranças de juros acima de 12% ao
ano, ante a regra atual constitucional máxima disciplinadora da matéria.

A taxa de juros não poderá ser nunca superior ao previsto na Constituição
federal, considerando que a cobrança acima de 12% ao ano configura delito de
usura de ação penal pública incondicionada, vigorando o princípio da
legalidade, da obrigatoriedade do exercício do “ius persequendi” e “ius
puniendi”, desta forma, o direito pátrio vigente não permite convenção entre
partes para fixar outro percentual, vez que caracteriza delito e não exime a
ilicitude. Se crime de ação penal privada fosse, poder-se-ia falar em
renúncia do direito de queixa ou em perdão tácito ou expresso da vítima, nos
termos do código penal (arts. 103, 104 e 105) e código de processo penal
(arts. 38, 39 e 51), mas não o é.

De outro lado é de se destacar que a Lei n. 7492/86 trata-se de norma penal
em branco recepcionada e complementada pela própria Constituição. Não
podendo, portanto, ser complementada, como norma penal em branco, por outra
norma inferior e inconstitucional.

As infrações financeiras e aquelas contra os consumidores sujeitam os
autores a responsabilidade administrativa, civil e penal. A cobrança de
juros além do fixado legalmente (constitucionalmente) pode ocasionar a
revogação da concessão ou permissão de funcionamento das entidades
bancárias.

É manifestamente ilegal e punível a atividade dos dirigentes do Banco
Central, dos membros do Comitê de Política Econômica Nacional, incidindo,
todos individualmente, nas penas cominadas, na medida de suas
culpabilidades, o presidente, o(s) diretor(es), o(s) administrador(es) e/ou
o(s) gerente(s) da pessoa jurídica, ato este agravado, segundo a lei, quando
cometido pelo serviço público, cujo servidor na sua condição-social lesa a
vítima-cidadã.

A competência de processamento e julgamento do crime de usura é da Justiça
federal, devendo a denúncia, como um ato de ofício (“ex officio”), ser
apresentada pelo Procurador da República com atribuição ante o juízo
respectivo, e o indiciamento em inquérito policial, se necessário a
instauração pela Polícia Federal. Já os diretores e gerentes de Bancos
estaduais e privados deverão ser processados pela Justiça estadual na
comarca das sedes principais de cada instituição financeira.

Destaco que não sendo tomadas as medidas cabíveis à espécie pelas
autoridades competentes, acarreta crime de prevaricação, por deixar de
praticar ato de ofício, sujeitando à pena de até 1 ano de detenção, nos
termos do art. 319 do Código Penal.

A usura além de ser crime, é amoral e anti-ética, razão pela qual deve ser
abominável pela Justiça brasileira em todos os sentidos e imperdoável a sua
prática.

Desde os primórdios da humanidade, a usura sempre foi condenada, tanto pelas
regras da justiça dos homens, como para a igreja católica que considera a
usura pecado, assim se manifesta Santo Tomás de Aquino. Ressaltando-se,
também, que “toda injustiça é pecado” (1 Jn. 5,17), ou seja aquela
originária das injustiças penais e sociais, como especulações financeiras e
ganhos de lucros fáceis.

Nossa sociedade necessita de segurança jurídica, isto é respeito a Carta
Magna, necessitamos efetivar o Estado Democrático de Direito e uma
Constituição não meramente de “papel”.

As autoridades brasileiras responsáveis pela política econômica estão
gerando o Estado de Anomia (não como ausência de lei, mas como ausência de
cumprimento das leis em vigor, inclusive a Constituição federal), pela forma
de cobrança das taxas de juros.

Agrego ainda que constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir
as desigualdades sociais.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das
Nações Unidas, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1966 e 1948,
respectivamente, expressam que todas as pessoas, em uma sociedade
democrática, possuem direito, a um padrão de vida capaz de assegurar a si e
a sua família bem-estar e segurança social, como indispensável à dignidade e
ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

É de se observar que as atuais taxas de juros impostas pelo Banco Central e
o CMN ou COPON violam flagrantemente os objetivos fundamentais da nossa
República e as disposições constantes nos instrumentos internacionais de
Direitos Humanos.

Concluindo observo de maneira objetiva e clara os principais fundamentos
jurídicos apresentados neste estudo:

1) Juros acima do percentual de 12% ao ano, incluído neles todas as espécies
de comissões ou taxas extras, foi expressamente proibido pela Constituição
federal, no art. 192, parág. 3.º, considerado pratica criminosa pela própria
Lei Maior (“lex fundamentalis”), o que implicava em responsabilidade
criminal tanto ao particular como para as autoridades públicas. É de se
salientar que o particular que cobra a taxa superiores a 12% definida na
Constituição iguais aquelas aplicadas pelo sistema financeiro nacional para
empréstimos pessoais, não encontra-se sujeito ao delito de agiotagem, posto
que está amparado pelo princípio da isonomia, dever de igualdade perante a
lei e de respeito de tratamento ante os Tribunais. Deveram ser, do
contrário, penalizados os particulares e os responsáveis pelas instituições
bancárias;

2) Percentual a mais de 12% ao ano não poderia ser, em hipótese alguma,
autorizado por nenhum Tribunal estadual ou federal, sejam Tribunais de
Justiça dos Estados ou Superiores (STF / STJ), considerando que se tratava
de uma limitação do Poder originário constituinte (Assembléia Nacional
Constituinte de 1988); portanto o Poder Judiciário através de suas decisões
(súmulas, acórdão e sentenças - jurisprudência de 1a ou 2a instância). O
dispositivo constitucional não poderia ter sido modificado por Emenda
Constitucional nº 40/2003, mas foi; e

3) Também as partes (instituições financeiras e clientes) não poderiam mudar
o percentual de 12% ao ano de juros, via pactos ou convenções de cunho
particular, vez que qualquer cobrança acima deste limite configura(va)
ilícito penal (delito de usura) e o direito nacional não permite acordos
privados, portanto não há que se falar, neste caso, de “Pacta Sunt
Servanda”, por ser um crime de Ação Penal Pública incondicionada, onde
impera o princípio da legalidade e da obrigatoriedade da propositura da
demanda “ex officio”; em outras palavras, deveria ser oferecida denúncia e
instaurado processo criminal, do contrário, sujeitando todas as autoridades
judiciárias competentes as sanções previstas ao delito de prevaricação (art.
319 do código penal), se assim não agissem.

* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério
Público Democrático. Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização
e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e
Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das
Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança
Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de
Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da
Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista
internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no
exterior.

E-mail: candidomaia@uol.com.br

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