sábado, 2 de maio de 2009

lucros dos bancos é imoral

    Autor: Otaviano Canuto
    Assunto: Conjuntura Econômica, Economia Internacional,e economia monetária e financeira
    Publicado pelo Estado de São Paulo em 27 de junho de 2000

    A internacionalização dos mercados bancários domésticos na Argentina e no México, com os bancos estrangeiros se expandindo particularmente nos momentos de crise no setor, vem se dando desde o início dos anos 90. Na Argentina, a participação dos bancos estrangeiros no total de empréstimos locais cresceu de 18% a 48%, entre 1994 e 1999. No México, a subida foi de 0,2% para 17,8% entre 1992 e 1998.

    Atualmente no Brasil, nenhum banco estrangeiro detém individualmente parcela dos depósitos à vista acima de 3%, estando todos abaixo do Bradesco, Itaú e Unibanco. As privatizações do Banespa e outros bancos estaduais, além da aquisição de bancos privados menores, representarão sua grande chance para crescer. Naturalmente, as experiências em outras economias tendem a despertar interesse como referência.

    Entre os vários aspectos do tema, pode-se apontar pelo menos dois sobre os quais alguma evidência já foi apontada. Um diz respeito ao efeito da entrada de bancos estrangeiros sobre as margens de lucro dos bancos locais. O outro corresponde à polêmica quanto a aumentar ou diminuir a volatilidade nos créditos domésticos, quando é maior a participação de bancos internacionais.

    No tocante ao primeiro ponto, por exemplo, economistas do Banco Mundial, usando dados de 80 países (Brasil inclusive), encontraram uma associação entre, de um lado, a presença maior de bancos estrangeiros e, de outro, menor lucratividade e menores custos fixos por parte dos bancos domésticos. Isto foi interpretado como sinal de elevação na eficiência dos bancos domésticos, como conseqüência mais comum da concorrência com estrangeiros. Uma conclusão assaz interessante do trabalho é a de que importa mais o número de bancos estrangeiros participantes, para a obtenção desse resultado, do que suas parcelas de mercado. (*)

    No segundo aspecto, o debate gira em torno da sensibilidade do crédito doméstico em relação às taxas de juros e aos ciclos econômicos locais, quando é maior a presença de bancos estrangeiros numa economia emergente. De um lado, há quem espere subir a volatilidade do crédito, vale dizer, um encolhimento mais rápido dos empréstimos e uma saída mais acentuada de capital, durante uma recessão ou quando as taxas de juros domésticas são diminuídas pelo governo (mantidas as condições de riscos).

    Essa maior instabilidade do crédito decorreria da presença de maiores avenidas para o vai-e-vem de capital, dados os elos externos do sistema internacionalizado. Em situações de crise no sistema local - ou nos países de origem dos bancos - tenderia a ser mais fácil e rápida a fuga de capital.

    Do outro lado, há quem preveja o inverso: a maior estabilidade na oferta agregada de crédito. Dado que a demanda local por depósitos bancários acompanha em geral o movimento dos ciclos econômicos, a escassez desta fonte de recursos para os bancos durante a recessão poderia ser contornada mediante acesso a fontes no exterior. Reduzir-se-ia assim a probabilidade do racionamento de crédito pelo sistema doméstico, em situações de choques, causa freqüente de aprofundamento das crises em economias emergentes.

    Este argumento só pode valer para as situações nas quais os bancos avaliem como temporários e reversíveis os choques recebidos ou quando enxerguem então oportunidades para elevar sua participação no mercado. Caso contrário, torna-se difícil entender porque os bancos estrangeiros se disporiam a marchar contra a corrente.

    De qualquer forma, cabe observar que o argumento da instabilidade também deveria prevalecer para cima. Nos momentos de expansão econômica ou de subida nas taxas de juros, a disponibilidade de crédito receberia maior injeção potencial de recursos externos, no contexto internacionalizado.

    Uma pesquisa divulgada em maio passado, sobre as experiências mexicana e argentina, mostrou que a distinção de propriedade entre bancos estrangeiros e bancos domésticos saudáveis não serve para prever comportamentos mais ou menos elásticos (sensíveis) no crédito bancário. (**)

    Um corte relevante parece ser entre bancos públicos e privados. Como no Brasil, as diferenças nos objetivos dos dois grupos implica comportamentos não convergentes entre eles, diante de movimentos do ciclo econômico ou dos juros.

    Entre os privados, a diferença relevante é dada pela situação em termos de qualidade dos ativos na carteira do banco. Quanto maior a proporção de empréstimos inadimplentes ou reestruturados na carteira, mais o banco necessita concentrar-se nos reparos desta. A ausência de solidez prejudica então o aproveitamento das oportunidades de investimento quando melhoram as condições macroeconômicas. Simetricamente, implica mais racionamento de crédito - ou apostas arriscadas - quando se inicia uma recessão. Esta diferenciação de comportamentos aparece com clareza no México, onde permaneceu um forte legado de inadimplência após a crise de meados da década.

    Na verdade, nos dois países, bancos estrangeiros e privados nacionais, exceto quando às voltas com ativos problemáticos, respondem de modo similar aos sinais de mercado, incluindo o crescimento do PIB e os diferenciais entre taxas de juros locais e externas. Também apresentam semelhanças na composição das carteiras de empréstimos, entre os diversos tipos de crédito (pessoal, hipotecário, empresarial, governamental etc.). Quando saudáveis, estrangeiros e nacionais tornam-se caballeros de fina estampa sem distinção.

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