sábado, 30 de maio de 2009

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. UMA IMPOSTURA

O CRÉDITO E O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR CIRO EXPEDITO SCHERAIBER

Procurador de Justiça / CAOPCON/PR ciroes@mp.pr.gov.br

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Justificativa:

O crédito tem sido o propulsor do consumo nos tempos modernos, notadamente com a revolução industrial em que a produção seriada recorre à necessidade de uma oferta massificada. Como no Brasil a regulamentação do empréstimo consignado intensificou a outorga forçada do crédito, o fenômeno do superendividamento se tornou realidade preocupante, até porque os bancos credenciados estão livres para a prática de juros à taxa de mercado, porque integrantes do sistema monetário nacional. A partir desse fenômeno, por trazer características deletérias à normalidade do mercado, é que se pretende com as conclusões propostas neste estudo, algumas alterações legislativas que proporcionem uma maior regularidade dessa atividade.

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“A crise atual é um produto de um longo período de negligência quanto aos interesses dos consumidores nos mercados de crédito e de uma inadequada regulação dos fornecedores de serviços financeiros. Nos últimos vinte anos, nós testemunhamos o contínuo enfraquecimento da proteção do consumidor, em nome da chamada tutela da “eficiência” dos mercados “livres” (free and efficient markets). A falha desta maneira de abordar o problema, que foi adotada globalmente no mercado de crédito, é agora evidente e fala por si só. Esta não e uma crise nascido da oferta de crédito a pessoas com baixa renda, mas uma crise causada por lhes ter sido oferecido produtos e serviços de crédito de modo irresponsável, falhando-se na proteção dos seus interesses de longo prazo neste mercado”1.

Excerto da “Declaração de Londres sobre a Crise Mundial de Crédito, expedida pela “Coalizão Européia para o Crédito Responsável” (European Coalition for Responsible Credit) e do “Dívidas Batem a Nossa Porta” (Debt on our Doorstep).


I – INTRODUÇÃO.


O Empréstimo Consignado, tido como necessário para o incremento da economia, alcançou importância ímpar, por atingir categorias e classes de pessoas no mercado de consumo induzindo-lhes ao acesso do crédito.

Às instituições financeiras proporcionou segurança na concessão do crédito, por livrá-las dos riscos da inadimplência, já que os descontos são automática e peremptoriamente lançados nas contas salário, pensões ou proventos dos trabalhadores, dos aposentados e pensionistas do INSS.

Para proporcionar efetividade à implementação dessa modalidade de crédito, houve aumento da malha de captação desse crédito, com o credenciamento de outras pessoas jurídicas (correspondentes bancários) nos lugares mais distantes, alcançando um número cada vez maior de pessoas que oferecem condições de ingressar no sistema.

Em contrapartida, contribuiu decisivamente para o surgimento do fenômeno recente, que se não causado pelo empréstimo consignado, por certo contribuiu sobremaneira, que é o endividamento sistêmico dos “beneficiados” por essa modalidade de outorga do crédito, o chamado superendividamento dos consumidores, sem olvidar do incremento do lucro fácil das empresas de finanças de outro.

É nessa linha de análise que realizamos este estudo, perpassando pela principal conseqüência deletéria, o superendividamento, com proposições de providências legais e jurídicas que, se de um lado levaria à diminuição de lucro excessivo e fácil das financeiras e entidades bancárias, por outro daria maior segurança aos consumidores desse serviço.


II – O CRÉDITO E O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. OBJETIVOS.


Importa referir à divisão dada por Comparato, citada por Cláudia Lima Marques e Rosângela Lunardelli Cavallazzi2, em livro que coordenam, acerca da história econômica da humanidade em três idades: a da troca, a da moeda e, modernamente, a do crédito, para mostrar a importância deste último fenômeno no mercado de consumo.

O crédito assumiu importância tal para o mundo moderno, que é tido como “mercadoria” de oferta por José Reinaldo Lima Lopes3, ao prefaciar a obra coordenada pelas juristas acima citadas.

E tal ocorre pela produção industrial em série, em que a oferta de produtos de variadas espécies é produzida de forma a impulsionar o seu consumo também massivo4.

Se de um lado a oferta de crédito se dava com maior ou menor intensidade por algum segmento econômico, em que o consumidor daria preferência para alcançar bens de maior relevância, tal como um imóvel, hoje ele se dissemina de forma a que o consumidor o utilize para adquirir os mais comezinhos bens do dia a dia, pela facilitação na sua concessão, a exemplo daqueles operados por cartões de crédito.

O empréstimo consignado popularizou, por assim dizer, o empréstimo formal, regulado que foi pela Lei 10.820/03, e representa, nos dias atuais, o carro chefe do dinheiro fácil, por intermédio de contratos de mútuos, em que os juros não são fixados prévia e legalmente, mas ao sabor da média praticada no mercado, já que as entidades do sistema financeiro não se vinculam às disposições que limitam o juro legal.

E como se dá o mútuo, em ligeiro resumo, em nosso país, hoje?

No aspecto jurídico, em condições legais se opera de duas formas: ou pelo empréstimo de quem não tem autorização do Banco Central e o faz com dinheiro próprio, dentro das condições de juros legais que permite a Lei da Usura (Decreto-Lei 22623/33) e do Código Civil (art. 406, c/c 591, 592, I, II e III e 161, § 1º do Código Tributário Nacional), ou porque os mutuantes possuem autorização legal para operar como financeiras ou entidades bancárias, e aí operam com juros da taxa média do mercado, porque permite a Lei que trata do Conselho Monetário Nacional (Lei 4595/64).

Mas no Empréstimo Consignado os juros praticados não são aqueles corriqueiramente pagos pelos bancos aos consumidores, quando tomam dinheiro do mercado, os juros chamados legais de 1% ao mês, mas os de percentuais bem acima da taxa mensal do juro legal, ainda que às vezes praticados em patamares menores que os lançados nos mútuos convencionais.


III – O QUE LEVA À OUTORGA DO CRÉDITO FACILITADO. PRÓS E CONTRAS.


Variados podem ser os objetivos do empréstimo consignado, mas o objetivo principal é o de favorecer as entidades financeiras que o operam, pois estarão, com certeza, angariando lucro seguro, além de elevado.

Aquele de reduzir os juros no contrato de mútuo por essa modalidade, em verdade se constitui em conseqüência natural da elevada garantia que lhe favorece, ou seja, ausência de inadimplemento, ou inadimplemento insignificante.

Mas, se a entidade que concede o empréstimo não sofre risco importante do inadimplemento, não significa que o mutuário esteja infenso a se endividar, pois uma vez assinado o contrato, não pode mais revogá-lo, porque a lei o obriga de forma peremptória, mediante o desconto em folha.

O consumidor bancário premido pelo comprometimento sem volta de seus vencimentos, recorre a outros meios de captação de dinheiro, inclusive sujeitando-se a agiotas e criminosos que, aproveitando-se da situação, aplicam os já chamados “golpes do dinheiro fácil”.

Vale a seguinte referência feita por Newton Freitas5, de que “Obtido o empréstimo ou o financiamento, acertadas todas as bases, assinado o contrato regularmente e autorizado o empregador a fazer o desconto da parcela devida a cada mês, o empregado não pode mais cancelar ou revogar essa autorização, explica o ministro Vantuil Abdala (acesso em: 09.jul.2004). Os trabalhadores foram levados a um endividamento baseado em juros abusivos. Muitos trabalhadores tornam-se inadimplentes e têm seus nomes “sujos” no mercado de crédito. Desesperados, eles recorrem a agiotas e perdem ainda mais o controle de seus orçamentos. As operações de crédito mediante o desconto das prestações em folha de pagamento, criadas pela Medida Provisória nº 130, de 17 set. 2003, regulamentadas pelo Decreto nº 4.840, de 17 set. 2003, possibilitarão aos trabalhadores a reestruturação de suas contas, livrando-os da dívidas com o cheque especial, cartão de crédito e até mesmo de agiotas. A CUT vê essas operações como parte da discussão do próprio poder aquisitivo dos trabalhadores, avalia Luiz Marinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores – CUT (“Juros na mesa de negociação”, Folha de S. Paulo, São Paulo, 02 dez. 2003, p. A3).”

O segundo objetivo importante do Empréstimo Consignado, de tão exploratório e induzidor, que sob esse prisma leva ao lucro fácil e seguro, em parte induz o consumidor à inadimplência, por não suportar tanta carga sobre seus vencimentos, que os alimentados desejos de aquisição no mercado de consumo de bens, às vezes se transformam em verdadeiros pesadelos, cuja saída se apresenta traumática.

Nem sempre o consumidor cotidiano se reflete àquela situação da “Família Amorim” do quadro “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”, que o Fantástico, da rede Globo, exibe nos domingos, em que uma adolescente pertencente à família consegue fazer com que seus membros saiam do sufoco proporcionado pelas dívidas, com acompanhamento técnico. Ao depois, pela exposição da mídia, a família se tornou objeto de peça publicitária de banco, estimulando o “crédito responsável”6.

A lei, então, se por um lado traz a exigência, como cautela, do empregado “por contrato expresso” autorizar e só por esse meio o desconto em folha, por outra traz segurança, na verdade, à instituição financeira, até porque o empregador figura como responsável solidário pelo pagamento da prestação referente ao empréstimo, financiamento, etc.

É certo, acreditamos, que essa regulamentação do empréstimo consignado é uma das muitas medidas que o governo proporciona para beneficiar os bancos e financeiras.

Tudo pelo lucro desmedido da instituição financeira, o chamado “spread”7.

E veja que os bancos e financeiras tem um poder incomensurável, basta ver o que está ocorrendo com a chamada crise do setor financeiro, desencadeado pela quebradeira dos EUA.

O mundo socorre as instituições bancárias, por intermédio dos governos que estão injetando dinheiro para manter ou conservar as empresas sadias, para que o caos não se instale no meio econômico.

Isso porque o Estado não tem autonomia para operar nesse campo comercialmente, e se põe como um Estado fraco, refém do mercado.

Faço referência ao pensamento de Claus Offe trazido por TRAUMANN, Thomas. "O Novo Poder", in Revista Veja, edição de 8 de abril de 1998, páginas amarelas em entrevista com o sociólogo. Refiro que “a política de orientação e de direção das relações de consumo, partindo do Estado, está concertada com o estudo do sociólogo alemão Claus Offe de que o Estado, a liberdade de mercado e as ONGs formarão uma nova ordem social, pondo fim às ideologias. Diz: "A diminuição do Estado pela diminuição do Estado é um dogma assim como a defesa cega do estatismo. Um Estado bom não é um Estado pequeno, mas aquele que atende com mais eficiência aos anseios dos cidadãos". Acrescenta, entretanto, que "o excesso de poder do mercado afeta a confiança na democracia. Um Estado fraco começa a fazer o que as empresas quiserem. As pessoas se perguntam então para que serve a democracia se as decisões estão sendo tomadas onde não temos influência8.

O empréstimo consignado, assim como várias outras questões de responsabilidade pública, nos parece que seja resultado de um Estado fraco para inibir o abuso dos empréstimos e do endividamento, que prefere, a despeito de acertar a atividade, regulamentá-lo, porém com forças não muito eficazes de inibição ou de prevenção.


IV – A REGULAMENTAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.


Inicialmente o desconto em folha de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, possibilitado pela CLT, passou a ser regulado pela MP 130, de 17.09.03.

Regulamentou tal MP o Decreto nº 4840, de 17.09.03.

A Lei 10.820, de 17 de dezembro de 2003 resultou da conversão da MP130/03, e passou a regular e normatizar todo o sistema de desconto em folha de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil.

A Lei nº 10.953, de 27.09.04, alterou a Lei 10.820/03, para permitir que o crédito consignado passasse a ser oferecido a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Após, sobreveio o Decreto nº 5892, de 12.09.06, que acresceu parágrafo 7º-A ao artigo 4º do Decreto 4840/03, permitindo empréstimos referentes ao SFH, cujas prestações obedecerão ao contrato e as prestações podem ser variadas .

A Lei nº. 10.820/2003, regulamentada pelos Decretos nº. 4.840/2003 e nº. 5.892/2006, se refere aos conceitos de remuneração básica, descontos legais, remuneração disponível e descontos voluntários, como elementos de orientação à aplicação dos descontos dos empréstimos consignados.

V – OS CORRESPONDENTES BANCÁRIOS E A CAPTAÇÃO DE CLIENTES.


A abertura legal da outorga do crédito tem levado ao aumento incomensurável da oferta que o empréstimo consignado proporcionou, pela intensiva utilização do marketing. O empréstimo se tornou automático, sem riscos (desconto em folha). Mas, para alcançar o maior número de pessoas, nos mais distantes lugares do país, abriu-se uma rede de captação, os chamados “correspondentes”, aqueles comerciantes ou prestadores de serviços utilizados como miniagências, que funcionam como intermediários entre o consumidor-mutuário e a entidade mutuante, permitindo que os tentáculos da rede de empréstimo, em cada lugar mais recôndito que seja, alcance o alvo.

Gláucia Rezende Pereira diz: “Assim, a distribuição geográfica da rede de correspondentes bancários permite estar aonde o brasileiro vai, onde ele trabalha, onde mora, onde faz suas compras. Enfim, estar presente no seu dia-a-dia. Por se encontrar em pontos comerciais diversos, o novo modelo pode oferecer horário expandido, superior ao horário de operação dos bancos tradicionais, muitas vezes oferecendo serviços 24 horas. Esta é ainda a fórmula mais barata e completa de se aproximar dos clientes. Com uma estrutura enxuta, sem luxo, e com custo de implementação, desenvolvimento e manutenção inferior ao dos bancos tradicionais, os serviços oferecidos têm custo menor”9.

Ora, se a empresa de finanças não tem condições de operar em determinados lugares, não se pode permitir que haja um credenciamento de outras pessoas jurídicas que pratiquem atos, mesmo em parte, próprios de um banco. Tal possibilidade leva a uma indiscriminada prática de empréstimos que não atendem aos fins sociais que o sistema monetário teria que proporcionar.


VI – A PUBLICIDADE DO DINHEIRO FÁCIL


Mas, o que vem ocorrendo mesmo é o estímulo do empréstimo, dentro da legalidade, por empresas autorizadas pelo Banco Central que, utilizando-se de benesses da Lei 10.820/03 tornam disponíveis dinheiro a pessoas em especial assalariadas, que procuram facilidades para obter o crédito. Aí vemos as situações do empréstimo consignado, o carro chefe do dinheiro fácil, nos dias atuais.

E como o consumidor é alcançado? Pela recorrente publicidade intensiva. A oferta é convincente, realizada de forma ampla, intensa, generalizada e abrangente, e busca as classes que apresentam maior segurança à operação, tais como os assalariados, funcionários públicos, empregados e, não sem antes ressaltar a classe importante dos aposentados. É comum a oferta facilitada de empréstimos a juros baixos, sem consultas ao SERASA ou SPC, sem a exigência de maiores garantias.

Segundo estudo de Casado10 o crédito é absolutamente necessário, a ponto das financeiras mudarem o seu enfoque publicitário, saindo de uma oferta mais contida para uma publicidade mais incisiva, popular mesmo, constatando que quanto mais as pessoas consomem, mais créditos necessitam, dizendo: “Os bancos deram-se conta deste paradoxo e começaram a anunciar crédito, notadamente nos intervalos de programas populares e mesmo através de práticas como o merchandising. Se o consumidor assiste ao anúncio de um produto e não tem como comprá-lo, fica feliz em saber que poderá adquiri-lo com as facilidades que os anúncios dos bancos expõem o crédito. O crédito é comparado a pizza em determinada publicidade. Entretanto, a publicidade de uma mercadoria tão nobre como o crédito, desta maneira, é assustadora.”

Mas, se o empréstimo que ocorre dentro da legalidade, o acesso fácil ao dinheiro é provocado e as pessoas são induzidas a contratar sem maiores reflexões, porque se submetem a uma massificada publicidade agressiva, com a utilização dos diversos meios, em especial da mídia, e das facilidades que a rede mundial hoje proporciona.

A publicidade de outorga de crédito, na modalidade consignada, deve ser alterada. Alterada, no sentido de que apenas dê conhecimento ao interessado de sua existência legal e que seja feita pela própria entidade financeira autorizada pelo Banco Central, e proibida por qualquer pessoa jurídica, seja de que forma for, que não tenha essa condição, em especial pelos chamados “correspondentes bancários”, e que sejam realizadas de forma a não ofender os consagrados princípios da boa-fé objetiva e da equidade, de forma a não levar o consumidor a assumir comportamento inseguro. E tal se dá quando assina contrato em que inexoravelmente lhe induz a comprometimento financeiro de forma a lhe causar endividamento insuperável (v. artigos 37, § 2º; 51, incisos IV e XV, e § 1º, incisos I, II e III, todos do Código de Defesa do Consumidor), comprometendo sua tranqüilidade psíquica e sua qualidade de vida.


VII – NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DOS JUROS NA OUTORGA DO EMPRÉSTIMO.


Nesse rumo de análise, a dos juros cobrados pelas financeiras, é importante referir que há pretensão de restringir o empréstimo consignado aos bancos oficiais (federais e estaduais), justamente para coibir certos abusos praticados pelos bancos privados.

Trata-se do Projeto de lei n. 226/07, de autoria do deputado Felipe Bornier (PHS-RJ), que assevera que a autorização para desconto em folha não reduz os juros, porque há abusos. Explica do deputado: os bancos privados não seguem essa regra e comentem "abusos na estipulação das taxas de juros e na cobrança de encargos adicionais, embutidos de forma camuflada nas prestações dos mutuários". A legislação atual determina ainda que o banco forneça informações aos clientes sobre o valor total financiado; a taxa mensal e anual de juros; os acréscimos tributários; e o valor e periodicidade das prestações. Os juros, no entanto, são praticados de forma elevadíssima, apesar da propalada redução do custo da operação. Não há limite para a estipulação da taxa de juros, já que as financeiras não estão limitadas a juros legais que o sistema de tributos impõe, agora aplicável ao sistema de contenção da usura.

Logo, para o empréstimo consignado deveria haver uma limitação legal. Ao que vislumbramos, necessária seria a limitação aos juros legais de 1% ao mês, igualando-se a todo limite de juro que é exigido de pessoas físicas ou jurídicas alheias ao sistema monetário nacional. E para tanto deverá haver uma adequação legislativa. E tal situação é perfeitamente viável, porque a segurança proporcionada pelo sistema legal do empréstimo compulsório de desconto nos salários, proventos ou pensões é forte que outro índice só empenha ganho desnecessário das financeiras.


VIII – DO SUPERENDIVIDAMENTO.


O superendividamento ou sobreendividamento é fato jurídico real que vem sendo objeto da atenção dos estudiosos, por se caracterizar como uma distorção do mercado, uma anomalia que contamina as boas relações comerciais e empece o consumo.

A busca dos aposentados como clientela mais propensa ao crédito consignado tem impactado essa classe, de modo que as estatísticas acerca do fenômeno são robustas11.

Veja o que refere o site12 sobre desemprego acerca do endividamento de aposentados: “Editoriais. Agiotagem oficial contra aposentados. Editor-chefe. O Brasil não tem pena de morte, mas o Governo Lula conseguiu uma forma simples e segura de enforcar velhinhos e velhinhas: juntou todos eles e os entregou, como manada, à sanha voraz dos bancos brasileiros. Até a semana passada, segundo “O Globo”, dois milhões de aposentados haviam tomado emprestados R$ 4,8 bilhões em 17 bancos, com taxas de juros anuais de 23% (bancos oficiais) e 40% (bancos privados), para pagamento certo e sem risco mediante desconto direto dos proventos creditados na rede bancária. Os empréstimos consignados de ativos e inativos foram apresentados como um grande programa social do Governo. Na verdade, até aqui, foi o único programa “social” deste Governo que deu certo quase automaticamente.”

Aliás, a falta de compromisso com os efeitos do superendividamento é de tal importância que há o projeto de lei n. 27/06 de autoria do senador Paulo Paim, visando estender a concessão de empréstimo consignado aos beneficiários da prestação continuada, regulada pela Lei de Assistência Social. Visa, com isso, atingir as pessoas menos favorecidas, com rendas as mais baixas, a ponto de gozarem de programas assistenciais do poder público13.

Finalmente, nestes dias, o Conselho Nacional de Previdência Social14 elevou de 20% para 30% o índice de comprometimento da renda dos aposentados e pensionistas do INSS, em mais uma demonstração de que o fator endividamento não sensibiliza alguns segmentos sociais com poder de decisão.

O superendividamento tem merecido estudos diversos. A atividade econômica baseada nos princípios da valorização do trabalho e da livre iniciativa, conforme estabelece o artigo 170 da Constituição Federal, almeja assegurar a todos existência digna com base em ditames da justiça social.

E o recrudescimento das dívidas pessoais, a cujos fatores causais e consequenciais não cabem neste espaço, deve levar a um paradigma de comportamento de todos os elementos da relação de consumo, de cooperação, que implica num dever de renegociação. É o que prega Cláudia Lima Marques, ante o fenômeno do superendividamento, com base em tendência de doutrina européia, mais especificamente alemã15. Com base nessa tendência, o dever de lealdade e de cooperação, sustentada na boa-fé, tem o objetivo de manter a dignidade entre os parceiros contratuais. Aí se centram os deveres de não onerosidade excessiva e de não cobrança vexatória.

Por tudo, o que se prega é a sobrevivência do consumidor leigo, vulnerável, como parceiro a ser resguardado. Inconcebível é a sua morte ou insolvência econômica.


IX – CONCLUSÕES.


a) considerar abusiva a publicidade que oferte qualquer espécie de dinheiro a juros por parte de instituições bancárias ou financeiras na modalidade de empréstimo consignado que não sejam feitas por empresas do sistema monetário nacional, e que tal publicidade atenda ao sistema de proteção ao consumidor, tanto no que se refere à segurança contratual (equidade, boa-fé e equilíbrio) quanto de sua segurança psíquica;


b) alteração legislativa no sentido de declarar que os juros do empréstimo consignado serão os considerados legais, ou seja, aqueles do Código Civil, art. 406, que remete ao artigo 161, § 1º do CTN, de, no máximo de 1% ao mês, de forma a excepcionar das prerrogativas da aplicação dos juros aos índices médios aplicados no comércio as empresas vinculadas ao Conselho Monetário Nacional;


c) e, finalmente, ainda, também alterar a legislação pertinente para coibir que haja intermediação dos chamados “correspondentes bancários”, pois assim o empréstimo consignado que ocorrer por certo será realizado diretamente pelas instituições bancárias originárias, sem o estímulo massivo da prática.

1 Versão livre e autorizada para o português realizada por Walter Moura, Secretário Geral do Brasilcon e Advogado em Brasília. Revisão de Claudia Lima Marques, Diretora do Brasilcon e Professora Titular da UFRGS, ”, in Revista de Direito do Consumidor, Ano 17, n. 68, out-dez/2008, RT, SP, p. 378).

2 MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. SP, RT, 2006, p. 13

3 LOPES, José Reinaldo Lima. Ob. Cit. p. 06.

4 SCHERAIBER, Ciro E. Mailing Lists e Direito do Consumidor. .... Assim nos expressamos acerca do consumo massivo, proporcionado pelo marketing: “A complexidade da realidade e o atendimento ingente de necessidades similares proporcionou a chamada produção em série de produtos e a especialização da prestação de serviços. Em decorrência, novos métodos de comercialização, modernamente chamado de marketing4, se tornaram instrumentos de colocação rápida e eficiente de produtos e serviços, donde a publicidade exerce papel destacado”.

5 FREITAS, Newton. Extraído de http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=139 , com acesso em 06.04.2009.

6 Consulte-se o site seguinte a respeito do caso do endividamento e da participação da família em peça publicitária de Banco: http://www.adonline.com.br/ad2005/rapidinhas_detalhe.asp?id=16647, com acesso em 09.04.2009.

7 “Spread é uma palavra inglesa e, de tanto que os dicionaristas endividados a escutarão, provavelmente será aportuguesada em breve (aposte em algo como “esprede”, com e aberto). O spread é a diferença entre o que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto o banco cobrará para emprestar esse mesmo dinheiro. Um estudo de Alberto Borges Matias, diretor da consultoria ABM Group, com base em dados do FMI, mostra que o Brasil chegou ao título de maior spread bancário do mundo com grande folga sobre o segundo colocado, a Rússia. No Brasil, a diferença encontrada entre as taxas de aplicação e de captação chega a 29,4 pontos percentuais. “O spread brasileiro é mais de 12 vezes o spread chileno”, assinala Matias, cujo levantamento enfrenta uma limitação apontada por técnicos do Banco Central – a falta de critérios homogêneos para cálculo do spread em diferentes países. Extraído de http://amanha.terra.com.br/edicoes/208/especial2.asp, com acesso em 30.09.2005.”

8 SCHERAIBER, Ciro Expedito. A economia e a política nacional das relações de consumo, in “Direito e Sociedade”, Revista do Ministério Público do Estado do Paraná, Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, Vol. 1, Número 1, Setembro/Dezembro 2000, Curitiba, p. 136.

9 PEREIRA, Gláucia Rezende. A comunicação como fator determinante para apresentar um novo conceito de banco: Lemon Bank. Extraído de http://www.comtexto.com.br/convicomcaseglaucialemonbank.htm em 06.11.08.

10 CASADO, Marcelo Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. RT, SP, 2000, p. 93.

11 “Segundo dados do Ministério, há cerca de 22 milhões de aposentados e pensionistas no Brasil, sendo que 14,9 milhões estão utilizando o crédito consignado. No fim de 2007, o INSS havia reduzido o limite do comprometimento em função do excesso de endividamento dos aposentados . Os empréstimos ficaram suspensos por quase um mês até serem liberados novamente em janeiro de 2008. Para compensar a redução, o governo também aumentou do prazo de financiamento de 36 meses (3 anos) para 60 meses (5 anos). Extraído de http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/economia/conteudo.phtml?tl=1&id=865616&tit=Aposentado-podera-comprometer-ate-30-da-renda-com-credito-consignado , com acesso em 11.03.2009.

12 Extraído de http://www.desempregozero.org.br/editoriais/agiotagem_oficial_contra_aposentados.php , com acesso em 06.11.08.

13 “Na prática, a proposta de Paim (PLS 27/06) poderá tornar o crédito acessível a um contingente de 2,4 milhões de brasileiros - o universo de idosos e pessoas com deficiência atendidos pelo BPC. No valor de um salário mínimo mensal, esse benefício é garantido aos idosos com mais de 65 anos e deficientes sem recursos para garantir a própria manutenção ou que também não possam ser mantidos pela família. Extraído de http://www.direito2.com.br/asen/2007/fev/6/cas-examinara-proposta-de-estender-credito-consignado-a-beneficiarios, em 12.04.2009.

14 Segundo o que foi extraído de http://www.estadao.com.br/noticias/economia,consignado-de-30-para-aposentados-volta-a-vigorar,348487,0.htm , com acesso em 12.04.2009, em reportagem de Isabel Sobral – Agência Estado, “ A partir de quinta-feira, 2, os aposentados e pensionistas da Previdência Social voltam a estar autorizados a pedir empréstimos consignados em que podem comprometer até 30% da sua renda mensal. Até o início de março, estava em vigor uma norma que limitava a 20% da renda o comprometimento máximo com crédito consignado tradicional (depositado em conta corrente). Outra parcela de 10% da renda só podia ser comprometida se o empréstimo fosse feito por meio do cartão de crédito consignado.”

15 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 5ª edição, RT, SP, 2006, p. 1232.

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